RYAN SANDES, O SUL AFRICANO MOVIDO A ULTRA DESAFIOS
Por Wanderson Nascimento
A data de 25 de março de 2018 ficou marcada na história dos esportes outdoor e, em 2020, completaram-se dois anos do grande feito obtido pelo ultramaratonista sul africano Ryan Sandes, atleta Red Bull, que, junto com seu amigo Ryno Griesel, atingiu a fronteira do Nepal, estraçalhando todos os recordes da Grande Trilha do Himalaia, cumprindo o desafio em três dias a menos que o antigo recordista Andrew Porter o percurso de nada mais, nada menos, que 1.504 km de montanha em um clima assustadoramente hostil e traiçoeiro.
Não satisfeito, no ano seguinte, em mais um de seus “devaneios aventureiros”, Sandes criou um Desafio dos 13 Picos, unindo as maiores montanhas ao redor de sua cidade e, mais uma vez, contou com a companhia de um amigo. Dessa vez, o “maluco” escolhido foi Kane Reilly, acostumado a dividir outras aventuras com Ryan.
Em abril passado, Sandes ganhou novamente destaque na mídia esportiva durante a quarentena, quando correu 100 milhas no quintal de casa, na Cidade do Cabo. Mas nosso espaço aqui será para destacar os dois grandes desafios superados pelo atleta em 2018 e 2019, que ele contou para nós em entrevista à Revista Trail Running.
Vamos começar falando sobre a Grande Trilha do Himalaia (GTH). O que levaria uma pessoa a querer passar mais de 25 dias percorrendo montanhas, enfrentando cansaço, privação de sono, queimaduras de frio, encarando ou desafiando tão de perto a morte? De acordo com Sandes, executar a GTH já era um sonho antigo e, além disso, as montanhas do Himalaia são icônicas e o povo nepalês, incrível. “Eu sabia que esse seria um enorme desafio mental e físico”, declara.
E, obviamente, nada melhor do que dividir um momento tão especial e entrar em uma verdadeira “enrascada” com um bom amigo, não é? Sandes afirma que já teve Rynon com parceiro em outras aventuras, como a Drakensberg Grand Traverse, como parte do projeto da Red Bull intitulado ‘Travailen’, em 2014. “Desde então nos tornamos bons amigos. Ele é o grande parceiro de aventura e nos unimos muito bem. Ele é atlético, muito forte e tem muita experiência em grandes montanhas”, explica.
O recorde anterior da travessia era de 28d13h56m. Para quebrar a marca, um grande e trabalhoso planejamento estratégico foi essencial. O objetivo, segundo Sandes, era moverem-se o mais leve e rápido possível nas montanhas. Dia a dia, eles foram cumprindo cada etapa. “Nós carregávamos equipamentos limitados e planejamos otimizar nossa rota e ver onde poderíamos dormir e conseguir comida. Era importante para nós fazer um dia de cada vez e não focar no objetivo final, pois isso estava muito longe”.
Para aumentar ainda mais o nível de dificuldade, Sandes explica que, em 2018, o inverno no Nepal foi um pouco atrasado, o que atrasou o derretimento do gelo e da neve, que dificultaram muito a navegação, afetando também o ritmo. “Ficou muito frio e Ryno ficou congelado muito cedo em nossa aventura, o que foi um grande desafio. Acho que se não fosse pela navegação de Ryno, ainda posso estar lá no Himalaia (risos)”. No final, a privação de sono nos últimos dias deixou a dupla muito cansada. Eles dormiram cerca de 4 ou 5 horas nos últimos dias e isso também impactou diretamente seu emocional. “Senti muita falta da minha família durante os últimos dias do projeto, o que foi realmente difícil para mim”. Ryno foi o responsável pela navegação, utilizando principalmente um GPS portátil e backup de mapas.
Quem corre uma ultramaratona de algumas horas de duração, sabe que passam vários filmes em nossa cabeça, que problemas são resolvidos e sofremos muitos altos e baixos, imagine então todos esses dias praticamente escalando montanhas geladas? Sandes explica que o povo nepalês foi incrivelmente gentil e acolhedor durante a travessia, salvando a vida da dupla algumas vezes, permitindo-lhes dormir em suas casas e dando-lhes comida. “A maior lição que aprendi foi a importância de ser gentil, pois você nunca conhece a circunstância de outra pessoa. Ver o quão difícil Ryno teve que se esforçar para continuar depois que ele havia congelado era insano e isso me fez perceber o quão forte a mente humana é. Uma lição valiosa que aprendi no projeto nunca foi tomar as pequenas coisas da vida como garantidas”, destaca.
Os últimos 300 quilômetros foram feitos com pequenos cochilos de 10 a 20 minutos no caminho, e com paradas pontuais para alimentação. Nesses 25 dias, Ryan e Griesel enfrentaram extremos: o cansaço, a dor, queimaduras de frio, uma lesão feia na perna de Ryno e diversos outros “perrengues”, mas concluíram o desafio com sucesso absoluto, podendo ser considerados como loucos pela maioria das pessoas, mas como super homens por aqueles que amam as montanhas e vivem o trail, como nós.
UM ANO DEPOIS, MAIS UM DESAFIO PARA QUEM SE ALIMENTA DE ADRENALINA
Ryan Sandes parece mesmo ser movido a desafios. A adrenalina é o combustível para o sul africano. Pouco mais de um ano depois de esmagar o recorde da Grande Trilha do Himalaia, em um belo dia, ele começou a desenhar mentalmente um percurso que uniria os 13 maiores picos ao redor da Cidade do Cabo e resolveu cumprir esse percurso em apenas um dia. O que começou como um desafio pessoal, transformou-se em uma aventura acessível a “todos”. “Adoro aventuras e experiências épicas, por isso estou muito empolgado com o que o Desafio dos 13 Picos pode se tornar”, declara.
Mais uma vez, Sandes precisava de um comparsa para dividir momentos tão especiais e o escolhido, dessa vez, foi Kane Reilly, um grande amigo que também já tinha um histórico de parceira com Ryan em outras aventuras, porém, nunca havia corrido mais de 60 km em um único dia. Em seu desenho de percurso, Sandes estimava que seriam apenas 40 ou 50 km e estava ansioso para ter aquele dia divertido nas montanhas com seu amigo Reilly. No entanto, a realidade do percurso pegou ambos de surpresa. Os 40 ou 50 km, na verdade, a rota ultrapassava os 100 km. E agora? Perrengue à vista!
Eles saíram cedo e planejavam estar em casa antes das três da tarde, porque Kane tinha que ajudar sua namorada com uma mudança. Naquele clássico esquema de trilheiros de que “a gente volta cedo”, ou “vai ser tranquilo”, a aventura acabou se prolongando muito mais que o previsto. “Estávamos mal preparados e nossas baterias das lanternas acabaram subindo o último pico. Felizmente, percorremos uma ou duas cidades e recebemos algum apoio da família, o que ajudou. Foi uma aventura muito divertida para nós e foram apenas os 15 km finais que foram realmente difíceis”.
As oito horas e 50 km previstos acabaram se transformando em 19 horas, 102 km e 5800m de ganho de elevação. A missão foi abortada justamente nessa última subida, devido à falta de baterias das lanternas, mass Sandes afirma que eles não se frustraram. “Era importante colocar a segurança em primeiro lugar, pois as montanhas sempre estarão lá. Estávamos muito, muito cansados, mas felizes, pois tivemos 19 horas incríveis nas montanhas. Foi apenas no dia seguinte que pensei que isso seria incrível, criando um desafio pessoal para todos”.
Ryan explica que houve um momento em que diversão meio que se dissipou e ele começou a ter uns flashbacks dos Himalaias… daqueles dias realmente intermináveis em que pensava apenas em seguir adiante. “No final, vencemos 12 picos e meio e não conseguimos dar a volta final, mas foi um daqueles dias épicos que ficarão na minha memória para sempre”.
Sandes conclui explicando que o melhor desse percurso é que você pode correr e caminhar por vários dias, dois dias ou um dia, por exemplo. É uma aventura para todos e existem muitas maneiras diferentes de experimentar a montanha. “Acho que o principal desafio é conhecer a rota e a Table Mountain pode ser uma montanha pequena, mas o tempo ainda pode ficar muito frio, molhado e ventoso lá em cima”, conclui.
Como dissemos anteriormente, Ryan Sandes não se aquietou nem durante o período de quarentena e resolveu percorrer 100 milhas, completando 1500 voltas ao redor de sua casa, em pouco mais de 26 horas, com um desnível total de 4500m. Realmente Ryan Sandes não sabe brincar!